"Hoje a noite tive um sonho. O sonho me trouxe de volta um processo interrompido da possibilidade de concretização de minha utopia. Processo vivido por mim anos atrás. Na função reparadora que todo sonho tem, no sentido de indicar a direção para dissolver em libertação aquele drama acordado no sonho, eu dei a mão e levantei o que estava derrotado, ferido e com isso ganhei a possibilidade fértil de continuar a desejar encorpar minha utopia aqui no planeta terra.
Gente sem imaginação sociológica poderia arriscar a fazer esta prospecção descolada da experiência vivida. Não é meu caso e por isso com muito receio me detenho a garimpar dentro de mim essa paixão que por ora durante estes anos de plantio, se evaporava pela concretude do que tenho visto da pequenez humana quando submissa aos processos de ignorância, insensibilidade e a sórdida arrogância do crime. Assim, com certa euforia sento-me a “queimar fosfato” nesta vidência amistosa colhendo de dentro dos pontos sem saída experimentados por mim nestes 12 anos de plantio. Alguns temas saltam no meu coração de imediato: os entorpecentes; o desleixo; a cumplicidade em medo; a anarquia burra. Meu passo seguinte: brincar de ser uma outra plantadora de paz nesse chão recheado de não-minhocas.
A temática dos entorpecentes me parece crucial para uma estratégia de EA para SS. Como retirar a aura maculada de uma planta como a maconha e toda a imagética política e social que tem se construído encima dela? Na geopolítica da guerra Colombiana assim como a da Vila Brandina , este ícone de destruição da possibilidade de uma sociedade sustentável, é exemplarmente veiculado sem nenhum pudor, nada maior que uma apreensão policial para inglês ver. Todos sabemos ! A cadeia que dai se desenrola de crime,dependência, institucionalização de micro e macro poderes ilícitos somente para os que estão do lado oposto, é absurdamente conhecida e por isso mesmo retroalimentada ao estilo da dinastia dos Rothschield. Não causa surpresa que na agenda do programa Plantando Paz na Terra nessa comunidade, não possa existir uma só menção dessa temática sem que um clima cinza e com gosto de assunto tácito se estabeleça nos corações presentes. Aonde, quando, com quem podemos (nós vítimas dos entorpecentes) falar sobre isto? Durante os últimos quatro anos na área que denominamos de Centro de Convivência e Aprendizado : Cidade Internacional da Paz , na Vila Brandina, foi construído sob meus olhos uma usina de secagem e distribuição de droga por moradores dessa comunidade encima da mata ciliar das nascentes da mesma área pública que estamos tentando cuidar.
A criação de zonas de paz que um dia se tornarão cidades. Estas zonas de paz seriam espaços territoriais fundamentais para conciliar processos de mediação, reparação ou milagres operantes nesse âmbito. Uma sanguinária trajetória deixada por esta caminhada da humanidade com os entorpecentes faz vítimas não somente os usuários, traficantes ou adjuntos, mas a humanidade como um todo retarda sua remanescência na direção da aurora do que já seria possível nos tempos atuais. Uma outra qualidade seria injetada no ar destas zonas com a promessa de ser alimento para a continuidade de passos de coragem e determinação. Uma retórica baseada na linguagem da transformação seria a música feita de possibilidades, de vislumbres místicos, de descobertas no âmbito do íntimo, de horizontes mais promissores ou whatever...mas em todo caso uma música feita da possibilidade do DIALOGO. A insustentabilidade econômica seria certamente interrompida com uma ocupação maior destas zonas de paz pois o sentido primeiro da vida seria resgatado como eixo primordial que é . Tentativa feita pelos migrantes, pelos acampamentos da Cruz vermelha, pelos ciganos, circenses, etnias outras? Sim! Estamos em estado de emergência!
A questão do desleixo abrange os assuntos do público e do privado, suas interseções e principalmente a temática de hábitos, rotinas, prazeres e desprazeres. Sociedades sustentáveis no aspecto ambiental, certamente tem como padrão de funcionamento uma ordem baseada na dinâmica da vida e orientada para uma beleza progressiva. O constante roçar das realidades privadas e públicas que se vão estruturando na sociedade aparentemente de uma forma natural, não sucede sem ásperas sensações de invasão ou exclusão quando hábitos como a limpeza, a organização e o cuidado de forma geral não são presentes. Desde que iniciei a ocupação da área pública a tarefa central no meu cotidiano do fazer e do falar tem sido sobre a limpeza da mesma. Coberta de lixo e entulhos a coitada dessa terra sobrevivia sem ter claro para ela seu destino: público ou privado? Público significava que seu ouro azul seria cada vez mais ignorado pese as caricias que a mesma água fazia nos habitantes próximos. Privado significava ser a privada aonde se davam descargas de entulhos particulares, lixos pessoais e no melhor dos casos lindas quadras de tênis encima do leito de suas águas.
Parece existir certa preguiça nos seres humanos em agarrar o próprio ritmo do corpo, da vida pessoal e coletiva, na perspectiva de um constante burilar da matéria. Nessa descoberta do aperfeiçoamento da matéria, os espaços privados e públicos conversam na disputa de quem os habitam de forma desorientada ou orientada por umbigos desgarrados de seu cordão mater umbilical.
A difusão da moda de um GPS que orientasse seres humanos a ocupar o solo deste planeta deveria ser o roteiro para uma campanha de marketing planetária. Essa moda seria desenhada não somente para as classes sociais, mas para o conjunto dos seres viventes. Com prateleiras ofertando uma miríade de formas de organização ( inter-relação entre espaços para diferentes propósitos, formas de limpeza, optimização de cantos, espaços in natura etc.), de expressões de decoração (potencialidades das flores, ervas nos ambientes, espaços sonoros, cromoterapias etc.), de espaços por excelência (onde se possam sentir as estações vividamente, ver as cores dos frutos, sentir chuvas e neves), de locais de permeabilidade consciente entre o público e o privado (a lixeira, a ducha, a lâmpada, a calçada da porta da minha casa, o oxigênio etc.) os consumidores ávidos iriam incorporando esses GPS para um outro território possível!.Uma influência midiática para a construção de uma outra sociedade. Amplamente conhecidos são os traços de sensacionalismo na oferta cultural hegemônica e sua influencia em como os diferentes grupos constroem suas visões de realidade e suas representações sociais. Esta moda recriar-se-ia de geração em geração em um constante progresso no caminho para a educação para a beleza da verticalidade da coluna ereta! Publicidade como ferramenta de EA? Sim, ela pode ser a arte de fazer dignamente Pública a Cidade em uma perspectiva de sustentabilidade ambiental!
Para a construção de uma sociedade sustentável a triste realidade de uma cumplicidade- em- medo operante no modus vivendi dos seres terrestres é um ponto neurálgico que toca cada pedaço deste planeta. Como a nanotecnologia que desenvolveu produtos que impermeabilizam superfícies, assim este sentimento-atitude-fato da cumplicidade em medo impermeabilizou nossos corações. A eterna luta entre a ordem da vida e a ordem da morte, ganha nos dias atuais esta expressão perpetuando a medusa atual. A insustentabilidade social arraiga seu veneno nesta falácia que domina geografias, arquiteturas, orações, glóbulos brancos, coachings, lobbies, pesadelos e imperialisticamente domina o ar que respiramos. Poluição esta produzida pelo coletivo, embora as raízes cresçam sem dificuldade no nível individual, ela é pouco admitida de forma explicita e, muito menos com alguma brecha para a transmutação, pois veicula seu próprio mecanismo desta forma on and on. A recorrência de fincar as raízes desta cumplicidade-em-medo é estimulado pelos atores sociais que se acreditam emancipados desta sombra por possuir algum falso status quo na rede de dada configuração. O desmantelamento ilusório desta cadeia acontece em pequenos espaços curtos de tempo, associados geralmente a alguma nova distração já seja dos desavisados ou dos maquiavélicos. Pela fechadura da porta sempre terminam entrando novos vírus que conseguem clonar nossas supostas potencialidades e derrotar-nos lá na frente.
Por várias vezes fui aconselhada pelos meus amigos moradores da Vila Brandina para não tocar certos assuntos, não dar atenção a certas pessoas, desviar ruas e olhares. Os caprichos mais infantis de um indivíduo podem se tornar comando e autoridade em um ambiente com bombas silenciosas. A janela de saída está trancada, atravesso longos períodos de oficinas, sensibilizações, conversas e visitas especiais. Surgem figuras heroicas que conseguem pisar nas bombas e não serem contagiadas pelas explosões de medo. Surgem rebeldes que são movidos por uma repentina energia que dribla as regras do jogo. Mas logo descubro que eles estão armados de outros escudos e seus medos são outros, apenas isso. E com um pouco de sorte alguma situação que aproxime as bombas dos meus pés acontece e sou submetida ao mesmo pacto embora com consciência. Em outra paisagem, a classe média intelectual, também tenta me persuadir dos perigos de trabalhar na Vila Brandina,me convida quase que por substituição imediata aos cappuccinos e cinemas da vida, aos que correspondo com satisfação de vez em quando. Medidas de precaução e conversas em paralelo quando se está no campo minado os ajudam a manter a pseudo segurança para lidar com a cumplicidade-em-medo. Menos comum, mas ainda assim, a classe rica que está no entorno me bajula de vez em quando com jantares beneficentes, troféus simbólicos para lidar com sua quase inesquecida parte nessa historia e sua cumplicidade-em-medo. A cumplicidade-em-medo é mofo paralisante que alastra a insustentabilidade social desde a célula a nação.
Para isto, imagino a implantação social de um sistema de dança-esporte que retomasse dentro de suas práticas e competições uma manipulação real das energias de medo transformadas em suor, movimento e libertação. A dança-esporte seria a mola propulsora, para a partir de novos ritmos físico-químicos impostos a todos pelos limites ou características de seus corpos em movimento, reintegrar uma corrente de transparência íntima e compromisso com a confiança e a vida nas veias, neuronas e células dos seres humanos. Uma intervenção no cérebro reptiliano movida pelo ritmo das respostas produzidas de alegria, libertação e frescor após a conciliação desta dança-esporte no dia a dia da raça. Uma alfabetização nesse sentido promoveria nos grupos coletivos uma comunicação real de poder sentir-se em unidade com o lugar que habitamos e os seres com que co-habitamos. Nada como ter em comum entre todos a necessidade de ir ao banheiro no momento da dor de barriga. Usufruir da possibilidade de experimentar-nos através da estrutura primeira neste planeta: o corpo. Situar a consciência nesse patamar para poder alquimizar os fantasmas reais e ilusórios com a fricção, a fruição, com o fluxo e o refluxo, com o movimento e a inércia. Somos espaços públicos por onde atravessam um sem número de energias que nos afetam e definem pensamentos e atitudes. Enquanto seguimos a mercê destas correntes a cumplicidade-em-medo respaldada no coletivo vai criando matéria viva nas nossas vidas. Somente o território corporal com seus dotes pode responder a estas invasões enquanto não se emancipa o nosso Ser profundo. As realidades intra-físicas, os órgãos e glândulas carregam ferramentas preciosas para restaurar a confiança e a lealdade com a ordem viva. Impressões digitais com suor somente seriam aceitas! A cumplicidade só com a verdade do pulso-impulso do nosso representante oficial aqui no planeta terra!
Outra problemática que me parece neurálgica para a construção de sociedades sustentáveis é a que diz respeito à anarquia burra. Chamo de anarquia burra ao laise faire de alguns indivíduos ou grupos sociais ou ainda setores do governo. Devaneios sobre desejos pessoais ou pactos sociais não consensuais ou ainda tensões de preferência autoritária. Um caos absurdamente inconsequente que se configura perigoso na medida que toma espaços constituídos outrora. O esvaziamento de autoridades legitimadas ou espaços coletivos de sociabilização política tornam o lugar aonde habitamos vulnerável para a imersão da anarquia burra. Até a prática de regularização ou legislação pode ser pano de fundo para a mesma sobreviver se a distribuição de conhecimento social não é uma prática preponderante. Disfarçado de vários figurinos a anarquia burra se apresenta como de praxe entre os governantes e os governados. E nada pode ser aludido a esse fenômeno social que não seja desmentido em seguida sob a desculpa de uma pena qualquer a ser cumprida, ou um novo plebiscito a ser votado. A verdade é que carecemos de uma identidade política que não nos oprima e nem nos liberte. A anarquia burra parece responder a este vir-a-ser em que nos mantemos sobrevivendo como espécie em extinção. Aquela consciência que faz do umbigo um tiro no pé! A impotência da não violência se expressa dessa forma gerando mais hematomas que a mesma realidade poderia fazê-lo.Na Vila Brandina nossa aspiração por uma anarquia divina reina e assim vamos sentindo-nos protegidos da anarquia burra. Não por isso somos poupados das interferências dessa força. Desde moradores que se confundem em seus barracos e já conhecem as vantagens aparentes da anarquia burra até os de senhores do governo que se confundem em seus gabinetes para aproveitar e perpetuar esse sem sentido de não limite. Posso citar como exemplo, a alocação desta força reversa na área verde pública em que atuamos manifestada na criação de animais de forma insalubre, a invasão de moradores da área que cuidamos escancaradamente, a implantação de pontos ilícitos na mesma. E claro, nenhuma autoridade que assuma o papel, o dever de cuidar do bem público. Igual anarquia em ambos os lados.Uma insustentabilidade política característica dos tempos atuais certamente se alimenta desta macela.
Seria preciso criar um instrumento de política pública que desenvolvesse ou criasse ou apresentasse as pessoas, aos grupos ou aos setores do governo o sentimento de fazerem parte, de belonging, de profundo entendimento da própria inclusão em um todo, um lugar, uma cidade, um governo etc.Esse sentimento de pertencimento gerado a partir de um motor de saberes e sabores alquimizados dentro de cada um deveria impregnar-se na pele de cada cidadão com a promessa da saída do desterro em que nos encontramos até que não percebamos esta unidade. Um espaço publicamente privado! Um convite constante interno de construir espaços coletivamente na tentativa de salientar o fazer parte do espírito do lugar.Uma política pública que garantisse o direito de pertencer! Sem a falácia dos guetos, nem os pesadelos dos becos. Pertencer ressoa na cavidade cardíaca evocando as biografias, as trajetórias e as partidas. O lugar apresentado diante de mim , seja um escritório, seja uma rua, aparece diante de mim como um outro objeto em um todo indivisível do qual eu sou uma continuidade em movimento.Estamos diante do lugar do coração, das emoções. Qual instrumento de política pública poderia garantir este calor? Uma política pública que enunciasse o bem estar progressivo do cidadão nos aspectos, físicos, emocionais, mental e espirituais. Está difícil dar forma para este antídoto para a anarquia burra...vou perguntar para os Professores!
Voilá, cheguei sem querer querendo em quatro propostas de instrumentos de políticas públicas que correspondem as preocupações das quatro ecologias. Assim, as zonas de paz delimitam-se no chão do planeta com vistas para o destino deste no universo (ecologia universal); a moda do GPS orientado a beleza veicula-se na noosfera do planeta na direção de uma aliança com o mesmo (ecologia planetária); algo que garanta o sentimento de pertencimento (ecologia social) e o sistema internacional de dança-esporte tem sua máxima expressão na individuação (ecologia pessoal).