“When there is a problem between two small nations, the problem disappears.
When there is a problem between a big country and a small country, the little country disappears.
When there is a problem between two big countries, the United Nations disappears.”
Victor Belanrde
Estou diante do exercício de repensar estratégias para uma das profecias e utopias mais ansiadas e necessárias nos tempos atuais: a aliança planetária. Para Bauman, a urgência de decifrar um equilíbrio entre a tensão mais pungente que ele identifica, entre liberdade e segurança situa-se nesse nível. “Qualquer que seja o novo equilíbrio entre liberdade e segurança ele deve ser imaginado em escala planetária”[1]Pois como ele diz, “Não existem, nem podem existir, soluções locais para problemas globalmente originados e fortalecidos. A reaproximação do poder e da política terá de ser atingida, se é que o será, no nível planetário.” [2] Ainda, em sua dissecação do medo na sociedade líquida, Bauman afirma que “(...)carecemos de ferramentas que poderiam permitir que nossa política se elevasse ao nível em que o poder já se estabeleceu, possibilitando-nos, assim, recapturar e recuperar o controle sobre as forças que moldam nossa condição compartilhada (...)”[3] chamando-nos tacitamente para a construção dessas habilidades.
Pois bem, no meu feeling seria necessário, em uma análise horizontal do problema, reinventar um conjunto de princípios-ideias-ideologias que regem o estado de arte atual da humanidade para intimá-los a conformar a espinha dorsal de uma iniciativa de governança planetária. Quatro deles me pareceriam fundamentais:
Citadinos ao invés de sociedade civil.(Seres humanos em atenção com o pessoal, o coletivo, o planetário e o universal que cuidam e usufruem da cidade);
Ética ao invés de direitos humanos. (Estar em espírito de indulgência com tudo no todo);
Sustentabilidade ao invés de mercado.(Capacidade de estar aqui no planeta não só sem estragar mas principalmente contribuir para a evolução da natureza);
Planetarização ao invés de globalização. (Capacidade e Possibilidade desperta de remeter-se como espécie à Terra).
Apresento a seguir referências sobre estes termos como ideias gerais para pensar-se uma aplicação à espinha dorsal de uma governança planetária.
Na direção do coletivo, é através dos citadinos, em situação de autonomia, que a sociedade pode ser impulsionada para uma transformação. No processo de formação de esboços de uma consciência planetária, movimentos na esfera social configuram-se e inserem-se na busca enérgica de um conjunto de princípios, valores, atitudes e comportamentos que demonstram essa nova percepção da Terra como uma única comunidade. Os Novos Movimentos Sociais (NMS), desenvolvidos a partir da metade da década de 60 (mas os problemas e contradições que questionam remetem-se ao início da era fordista do capitalismo), são fenômenos sociais com uma orientação emancipatória, dotados de uma composição social heterogênea, com objetivos e estratégias de ação diferenciados no pensar global e na ação local, uma organização na forma de redes, uma politização da vida cotidiana e do âmbito privado na experimentação de formas alternativas, métodos de ação coletiva não convencionais e pró-sociedade civil. Apesar da continuidade na inspiração em valores gerados pela Revolução Francesa, os NMS abordam a emancipação na relação entre os seres humanos, na esfera sócio-cultural, na dominação patriarcal e no combate às ameaças globais. Neste sentido, é possível pensar hoje no exercício de cidadãos do mundo, expressando a característica eminente do ser humano como um ser social que pode direcionar-se para a construção de uma outra sociedade para a Humanidade.
Uma forma de agir baseada na ética não atropela, em nenhum sentido, a ordem viva, permitindo assim que um fluxo harmonioso aconteça. Dentre os NMS, o movimento ecológico, dos anos sessenta destaca-se, respondendo a uma situação sócio-ecológica radicalmente nova. Entre 1930 e 1950, dá-se nas sociedades industriais avançadas uma transformação que multiplica o impacto humano sobre a bioesfera, numa escala historicamente desconhecida: a maturidade industrial das tecnologias da segunda revolução tecnológica e do começo da fase fordista do capitalismo. Gerada pela expansão dos sistemas socioeconômicos humanos quase até os limites absolutos da bioesfera, caracterizada pela globalidade e a crescente irreversibilidade dos danos causados pela modificação dos grandes equilíbrios biogeoquímicos do planeta e a extensão de macrocontaminações já não circunscritas a ecossistemas ou regiões determinadas. O movimento ecológico passa, então, de uma etapa inicial de movimento verde para uma segunda etapa, que evidenciava uma crítica real ao tipo de civilização moderna, incorporando preocupações econômicas e sociais diretamente relacionadas com as questões ambientalistas. A partir daí, o processo de construção histórica de apelo aos chamados direitos humanos, aqueles direitos inerentes à pessoa humana, que visam resguardar a sua integridade perante seus semelhantes , deve inserir em seu percurso a perspectiva da ética, poiso entendimento de que os seres humanos são parte integrante de um todo maior, cuja garantia de seus direitos passa pela garantia da existência de recursos naturais saudáveis indispensáveis para sua sobrevivência é indiscutível; por outro lado, suas ações não atingem apenas sua espécie, mas outros seres vivos, que compartilham o planeta, devem ser interiorizados nas relações do homem consigo mesmo, com o outro, com o planeta e o universo.
A qualidade de manutenção da vida é o primeiro passo para a transformação da realidade e, a partir daí, contribuir para a evolução da Natureza nos âmbitos pessoal, social e planetário. Já é sabido que as discussões levantadas pelo movimento ecológico ganharam tanta intensidade que levaram a ONU a promover uma Conferência sobre o Meio Ambiente em Estocolmo (1972). No mesmo ano, o “Clube de Roma” publicou o estudo Limites do Crescimento. Em 1973, Maurice Strong lançou o conceito de ecodesenvolvimento, cujos princípios foram formulados por Ignacy Sachs. No ano de 1987, o termo desenvolvimento sustentável foi divulgado por todo o planeta como uma forma mais racional de prover uma qualidade de vida equânime e socialmente justa através do Relatório Brundtland — NOSSO FUTURO COMUM — , encomendado pela ONU, e através da Conferência UNCED-92 (Eco-92). Agora rumo a Rio +20 novas perspectivas de ação devem ser urgentemente traçadas no bojo das decisões políticas deste movimento.
Por outro lado, as descobertas da ecologia, a biologia organísmica e a cibernética trouxeram um entendimento real do significado de sustentabilidade, evidenciando que a organização complexa dos ecossistemas abrigam características como a interdependência, a reciclagem, a parceria, a flexibilidade e a diversidade. Trata-se de redes organizacionalmente fechadas, mas abertas aos fluxos de energia e de recursos; suas estruturas são determinadas por suas histórias de mudanças estruturais; são inteligentes devido às dimensões cognitivas inerentes aos processos da vida. Assim, com o entendimento de que durante mais de três bilhões de anos de evolução os ecossistemas do planeta têm se organizado de maneiras sutis e complexas a fim de maximizar a sustentabilidade, foi possível formular um conjunto de princípios básicos de organização da ecologia.Estes princípios começam a ser utilizados como diretrizes para construir comunidades humanas sustentáveis, comportando 5 aspectos fundamentais: sustentabilidade social, sustentabilidade econômica, sustentabilidade ecológica, sustentabilidade geográfica e sustentabilidade cultural. Assim, temas como poluição, biodiversidade, exploração de recursos naturais renováveis e não-renováveis, efeitos climáticos complexos são relacionados (tanto para análise quanto para a implementação de soluções) a desemprego, pobreza e riqueza, tecnologias, valores culturais, organização política e organização social, ficando claro que a sustentabilidade não é tarefa de um setor específico da sociedade ou de uma ciência em particular, mas compete a todos.
Chamo aqui de Planetarização, processo pelo qual o ser humano vai tomando consciência antropológica de sua unidade/diversidade (Humanidade) e consciência ecológica da unidade/diversidade da biosfera (Terra), possibilitando prática e reflexão sobre a nossa origem e destino planetário no cosmos. Como se sabe, a teleparticipação planetária, a partir de 1950, a visão da terra, em 1969, (quando a terra foi vista da lua),a globalização, no final dos anos 70, onde as relações de comércio entre os países passaram a ser mais frequentes e enormemente facilitadas com o avanço da tecnologia de informação que começou a atingir a vida presente das formas mais variadas, trazendo o desenvolvimento da mundialização referente às técnicas, objetos utilitários, habilidades, modos de vida baseados no uso e consumo destas técnicas e disseminando o desenvolvimento da mundialização cultural, somado à persistência de uma ameaça nuclear global, indicam um processo de planetarização, onde é evidenciado o crescimento da interdependência de todos os povos e países da Terra, onde o espaço mundial ficou mais integrado e a espécie humana aparece como Humanidade.
Com esta nova percepção, a pergunta, o reconhecimento e o despertar para a própria casa humana acontecem em diferentes aspectos da realidade, gerando novos impulsos que formam a consciência planetária: os limites, os cuidados necessários que demanda, a retrospectiva histórica desta convivência, a urgência de uma forma diferente de relacionar-se, as consequências no entendimento das ciências, a influência do sistêmico em todos os aspectos entre casa e habitante, a inclusão do contextual e o global e uma compreensão da nossa época planetária atual.
Em uma análise vertical, que pudesse traçar uma reta ascendente nesta discussão incluiria a valiosa contribuição de Sri Aurobindo sobre seu pensamento sobre o ideal da unidade humana e o tema da governança planetária que está inserido. Sri Aurobindo afirma que “ si se diesse uma unificación social, adminstrativa y política de lahumanidad tal como algunoshan empezado a soñarhoy em dia. Se requeriría uma tremenda organización bajo lacual tanto la vida individual como la regional se veriam oprimidas , reducidas, provadas de sunecesarialibertad y esto significaria para lahumanidad um largo período de mera conservación, estancamientocreciente y, por fin, declive.”[4] Mas ele afirma que “ launidad humana es evidentemente una parte del esquema final de laNaturaleza y debetener lugar.Pero debeproducirse em otras condiciones , com garantias que protejam a laraza y mantegamlasraíces de suvitalidad intactas y ricamente variadas em suunidad.”[5]
Em sua perspectiva evolucionária o mestre indiano vai desvelando o passo gradual da Natureza em suas experiências e objetivos. Assim, “mientras una federación de naciones libres esimposible, un sistema de imperios federados y naciones libres en uma asociación más estrecha que la que el mundo há conocido hasta ahora, no es deltodo imposible y conestos y otrospasospodriaalcanzarse, en uma fecha más próxima o lejana,una forma de unidad política para lahumanidad”[6]
Em sua profunda reflexão sobre as diferentes eras evolutivas da historia sócio-política da humanidade o autor vai mostrando que o movimento do ser humano obedece a um instinto gregário. Este instinto o induz para crescer de um pequeno grupo a um maior. Tribos, clãs, famílias, principados, nações. É a nação o último estágio desse movimento?Desvelando a possibilidade de um governo mundial, Sri Aurobindo aprofunda nos estágios de formação do mesmo, passando pela necessidade de uma unidade militar (apontando que os exércitos nacionais devem se converter em uma lembrança das idades mortas do passado) e de uma unidade econômica (pontuando a organização da vida comercial, industrial internacional sem a qual a governança seria somente nominal).
Mas no exercício de compreender além da superfície de como a Natureza opera convocando forças para estabelecer novas formas em transição, Sri Aurobindo diz que
“There is no doubt that objective condition of the world isto a grea textent ready. The intellectual and material circumstances of the present age, especially the scientific discoveries which have made our earth so small, have created propitiuous phenomena for the ideal to figure largely among the determining forces of the future. But subjective condition-the heart and the mind of the race, especially the heart-seems to be not really ready for the change.”[7]
Continuando com este raciocínio, Sri Aurobindo afirma que o intelecto humano tem sido mecanizado pela ciência física e isso tem influenciado na tentativa que a humanidade tem feito de aproximar-se da revolução através de meios mecanizados como ajustes políticos e sociais. Ele enfatiza, “it is not by social and political devices that the unity of the human race can be enduringly or fruitfully accomplished” [8]
Assim considerando o estágio atual da sociedade ideal preconizada pela maioria esclarecida , intelectual e humanitária, os valores essenciais deveriam ser pautados na liberdade, fraternidade, igualdade. Citando novamente Bauman “A democracia e a liberdade não podem ser mais garantidas num só pais ou mesmo num só grupo de países. Sua defesa em um mundo saturado de injustiça e habitado por milhões de seres humanos aos quais se negou a dignidade acabará inevitavelmente corrompendo os próprios valores que pretende proteger. O futuro da democracia e da liberdade tem de ser assegurado em escala planetária-ou não será”. Para Sri Aurobindo, a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade não podem ser alcançadas através de mecanismos externos da sociedade enquanto o ser humano permaneça atrelado a seu pequeno ego, porque na realidade são atributos da natureza da alma.
[1]BAUMAN ZYmunt. Medo líquido Rio de Janeiro:Jorge Zahar, 2008. pg.228
[2] OP. Cit pg.166
[3] Op. Cit. pg 167
[4] SRI AUROBINDO. El ideal de laUnidad Humana. España: lurgozoapg 15
[5] Op. Cit pg.15
[6] SRI AUROBINDO. El ideal de laUnidad Humana. España: lurgozoapg 71
[7] BASU Samu. The uno, the world goverment and the ideal of world union.Pondixherry: All India Press .pg103
[8] OP cit. Pg 104