CIP- laboratório de ecologia e cidadania- Vila Brandina 2012
“The true law of our development and the entire object of our social existence can only become clear to us when we have discovered not only, like modern science, what man has been in his past physical and vital evolution, but his future mental and spiritual destiny and his place in the cycles of nature” Sri Aurobindo
Nas últimas décadas evidências sobre o estado de desequilíbrio da sociedade global – manifesto nas crises financeiras, nos conflitos e guerras incessantes, nos índices discrepantes de distribuição de renda e na inconsciência com que a maioria dos seres humanos se relacionam com o meio ambiente -salientam a dimensão e o caráter da crise que atravessamos. As tentativas de resposta a essa crise parecem insuficientes e não conduzem a soluções abrangentes, tendendo mais a medidas paliativas e efêmeras.No entanto, a história tem nos mostrado como as crises contêm em si um extremo potencial evolutivo, devido à forte pressão que exercem sobre os indivíduos e as sociedades, provocando mudanças nas áreas sociais, ambientais, econômicas, políticas,psicológicas e espirituais.
Nesta segunda década do milênio temos o privilegio de ser testemunhas e protagonistas de um momento evolutivo importante, que se desenvolve através de uma das maiores crises que a humanidade atravessou.Talvez pela primeira vez desde a última glaciação, há cerca de doze mil anos atrás, a crise atual toca a própria sobrevivência da humanidade. Os diagnósticos são diversificados (LAZLO,1994; MORIN,1995;BAUMAN,2003). As soluções propostas até agora não parecem alcançar a real natureza dos problemas.
Quais são as lições a serem aprendidas nesta crise? Refletindo sobre elas, somos obrigados a projetar-nos para o futuro e encontrar, nos objetivos que esperamos realizar, indicações para o presente.
Em um contexto de mudanças tão radicais, que papel teriam os países da América do Sul e mais especialmente o Brasil? Os potencias são vários: desde a riqueza dos recursos naturais, a mistura racial, até aquele “jeito” do qual se fala tanto mas não se sabe bem definir, assim como uma criatividade com características próprias[2].De fato, muitos olhos estão voltados para estes países buscando novas respostas.Algumas respostas podem ser encontradas nas políticas públicas desenvolvidas nos últimos dez anos com ações em áreas urbanas e rurais[3]. Apesar disto, estas respostas são ainda tímidas diante dos grandes desafios e dificuldades que temos diante de nós.
Motivado pela urgência que o momento presente impõe, este tipo de projeto de pesquisa justifica-se pela necessidade de uma reflexão profunda sobre o caminho a percorrer em termos de políticas públicas coerentes com as necessidades reais da sociedade. A reflexão proposta deve incluir,primeiro,um embasamento teórico diferenciado através de uma abordagem evolutiva do ser humano e da sociedade;segundo, ser resultado de uma investigação empírica sobre o estado de arte atual de alguns processos coletivos inovadores contemporâneos, e terceiro, propor um plano, com projetos concretos para implementar políticas públicas integrais em contextos específicos.
Com relação à abordagem evolutiva, através da física quântica foi introduzido no ocidente o conceito de que a consciência e não a matéria, é a força primária no universo. Consciência entendida como uma energia dinâmica em um processo contínuo de desdobramento de si mesma. As linhas que separavam mente e matéria, corpo e espírito, dentro e fora, intelecto e intuição, sujeito observador e objeto observado, começaram a diluir-se na compreensão do ser humano,e o que chamamos realidade começa a ser percebido a partir de outras perspectivas.Este novo paradigma trouxe a convergência entre ciência e espiritualidade e, pela primeira vez, o ser humano ganhou um papel ativo e consciente nessa realidade.
A obra de Sri Aurobindo[4]é reconhecida como uma das visões racionais mais vastas sobre o desenvolvimento evolutivo do ser humano e da sociedade.Esse ensinamento afirma que uma Consciência Una está involuída na Matéria, e que a evolução é o processo pelo qual essa Consciência se libera e se manifesta.Uma vez explicitada no ser humano, é impelida a crescer e ao mesmo tempo a ampliar-se e desenvolver-se em formas de crescente perfeição.Sri Aurobindo afirma que com o ser humano ocorre a passagem de uma evolução não-consciente para uma evolução consciente, trazendo-nos a certeza de um futuro consistente.Como salienta Verma,
“A teoria da evolução espiritual de Sri Aurobindo é o núcleo de seu tremendo trabalho no mundo da filosofia. Todas as coisas no universo (...) estão se movendo no ciclo da eternidade com um propósito e uma aspiração extremamente direcionada.”[5](VERMA, 2002: prefácio)
Na busca por processos contemporâneos inovadores, o projeto de Auroville destaca-se por sua busca de unidade entre o espiritual e o material. Esse projeto insere-se nas mudanças recentes acerca da noção de cidadania mundial ou planetária.Baseando-se no ensinamento de Sri Aurobindo, a experiência de Auroville, única em seu caráter, parte da perspectiva evolutiva do ser humano e da sociedade e tem como objetivo a manifestação de uma unidade humana concreta.Pela composição demográfica (mais de quarenta nacionalidades diferentes), pela trajetória de mais de quatro décadas em direção à construção coletiva de uma cidade planejada e norteada pelo ideal da unidade humana, Auroville se mantém como um exemplo de coragem na busca do desenvolvimento integral do indivíduo e da sociedade.Como ressalta uma das Declarações da UNESCO, em 1983, Auroville busca assegurar o entendimento internacional, a paz, a educação inovadora, uma sociedade de aprendizagem e todo desenvolvimento material e espiritual para um crescimento harmonioso, individual e coletivo, propósitos que ajudam a alcançar os objetivos da UNESCO. (UNESCO,1983)
O terceiro elemento diz respeito à formulação de um plano para implementar políticas públicas em contextos específicos.A Associação Plantando Paz na Terra (PLPT)[6]iniciou um movimento em 2002, na certeza de que espaços públicos são locais importantes para o desenvolvimento de novos valores coletivos. A PlPT identificou como exemplo de contextos públicos específicos, três locais com atributos naturais, históricos e culturais de relevância regional. O primeiro destes foi a Vila Brandina em Campinas, S.P.A comunidade carente da Vila Brandina não deixa de ter sua própria história, mesmo que reproduza em muitos aspectos a mesma história já conhecida: ocupação de terrenos públicos e um lento progresso para regularização e conquista dos direitos urbanos. Ao lado dessa comunidade existe uma área verde abandonada, remanescente da antiga Fazenda Mato Dentro, e atualmente propriedade do governo do estado de São Paulo.Adjacente ao Parque Ecológico Monsenhor Emilio José Salim, esta área é a maior área verde urbana de Campinas e existem ali nascentes a serem protegidas.
O trabalho da PlPT começou a partir da terra e da gente, da ocupação do solo e da reunião das pessoas. Parte do terreno abandonado e cheio de lixo foi regenerado através do envolvimento da comunidade carente, e a partir da proteção das nascentes desenvolveu-se um processo de educação em prol da cidadania, seguindo as diretrizes da metodologia do programa PlPT, inspirado já nos princípios da Carta de Auroville. Nos dez anos de seu percurso, alguns resultados, ainda que modestos, dão confiança para continuar.As dificuldades são também conhecidas, principalmente no tocante ao processo jurídico de pedido de convênio com o governo do Estado de São Paulo para expandir o desenvolvimento do projeto no local, por exemplo, a recuperação da mata ciliar das nascentes. Esse pedido continua sem resposta, estando arquivado há mais de cinco anos. E,em nível municipal,os pedidos de convênio para manutenção e segurança da área também têm sido ignorados.
As outras áreas identificadas são o Canal de Bertioga na parte litoral do Estado de São Paulo e a Vila Planalto em Brasília (DF). A primeira refere-se à área de ligação do estuário santista ao oceano, junto ao município de Bertioga. Constituía maior área de manguezais do complexo estuarino e vem sofrendo constante degradação principalmente pelas demandas econômicas, como a portuária e a turística,que se intensificaram a partir da segunda metade do século XX, no surto de desenvolvimento da baixada santista. Além das trágicas conseqüências nos manguezais, o modelo de desenvolvimento vigente exclui as comunidades pesqueiras locais. As áreas remanescentes da cultura caiçara atravessam vários conflitos de ordem da propriedade territorial.
A Vila Planalto, em Brasília, já foi um centro de convivência de toda a população brasilense. É o núcleo urbanístico mais característico do período da construção da capital, com a existência ainda de seis acampamentos dessa época. Nasce como um espaço clandestino, logrando sua regularização após 30 anos. Tem ainda hoje em sua composição, diversidade de classes, edificações históricas, negócios variados e áreas verdes. Lamentavelmente, o tombamento efetivado em 1988 não está sendo garantia para a preservação dessa área considerada, naquele então, o coração da capital moderna.
Observando a alteridade de cada uma dessas áreas, acreditamos que elas poderiam tornar-se protótipos inspiradores para o futuro, como centros de convivência e aprendizado, orientados para os ideais da Beleza, da Harmonia, da Perfeição e da Unidade.Visto suas características naturais, culturais e históricas, assim como seus desafios,estes espaços poderiam tornar-se laboratórios para experienciar, descobrir e formular políticas públicas integrais para um âmbito mais amplo[7].
Para terminar, consideramos que visto a urgência da qual somos todos conscientes, é necessário propor pesquisas que tenham em seu bojo a aspiração de acelerar processos de mudança. É necessário agilizar a burocracia e que ideias jovens e frescas possam ser implementadas.
“Nesse confronto, os atores sociais precisariam adquirir uma organicidade capaz de ultrapassar os limites dos conflitos localizados, para proporem programas e controles redefinidores da natureza dos mecanismos inerentes às políticas públicas tradicionais.” (FERREIRA,1996 :66)
Pesquisas como essas,deveriam ser prioridade no Brasil e em outros países, na busca de uma compreensão mais vasta sobre a natureza e o destino do ser humano e da sociedade. Com vistas a dar instrumentos ao coletivo para enfrentar o momento histórico atual, impactar o processo de elaboração, implantação e avaliação das políticas públicas é indispensável. Nas palavras de Sorrentino,
“exige aprofundar-se, simultaneamente, em conhecimentos e propostas de ações que envolvam a formulação e implantação de políticas públicas e o aprimoramento dos métodos e técnicas de ensino e aprendizagem que permitam tais estudos, debates e aprendizados” (SORRENTINO, 2010:3)
O PROBLEMA DA PESQUISA
Considerando a situação atual do planeta e as já referidas dificuldades na criação de novas formas de relação com a vida, capazes de descobrir sua unidade; e considerando experiências, como a de Auroville, onde são efetivamente experimentadas alternativas de integrar a vida da humanidade com os outros seres vivos e nosso habitat planetário comum, podemos levantar algumas perguntas.
Por que o despertar de uma consciência holística não chega a se enraizar na realidade deste planeta gerando novas atitudes nos diversos âmbitos da sociedade humana? Por que, apesar dos esforços para estabelecer um novo rumo para a humanidade e o planeta, os sinais de uma verdadeira mudança ainda são tão tímidos?
Mas se, por um lado, é no ser humano que a raiz da crise atual reside, é também nele que se encontra a solução. Muitos pensadores, filósofos e artistas das grandes tradições têm reconhecido, como Fiodor Dostoiévski, a aspiração humana pela Beleza, a Harmonia, a Perfeição e a Unidade. Podemos lembrar de Bernard Shaw ou Paul Valéry, Alfred Whitehead e Henry Bergson, Paul Klee e Paul Cezanne, O que seria então necessário criar em nível social para estimular seres humanos-cidadãos, que formam grupos sociais, a aspirarem cada vez mais a estes impulsos a despeito do egoísmo? Como as politicas públicas poderiam ajudar na construção dessa nova realidade no planeta?
A aposta deste tipo de pesquisa é a formulação de políticas públicas integrais que deem condições para que os indivíduos superem a cisão interna característica da cultura ocidental atual, e escolham cultivar os elementos internos que aspiram por essa harmonia maior. A sociedade civil poderia promover iniciativas semelhantes, capazes de articular o apoio governamental para a implantação de projetos em áreas públicas e espaços adequados para esse propósito, tais como os centros de convivência e aprendizado propostos pela Plantando Paz na Terra. Eles constituem permanentes incentivos para a educação,em planos, programas ou projetos que visam consolidar uma educação integral.
Surgem outras perguntas decorrentes: Quais são os requisitos fundamentais para construir coletivamente políticas socioambientais orientadas pelos ideais da Beleza, da Harmonia, da Perfeição e da Unidade? Poderiam as políticas públicas serem vistas, em si mesmas, como um processo educativo coletivo, desde sua formulação até sua implantação e sua constante avaliação? Como fazer caminhar lado a lado o desenvolvimento individual e o desenvolvimento coletivo? Quais seriam os requisitos fundamentais para enraizar esses ideais na sociedade?Como despertar a consciência ética coletiva nos processos das políticas públicas?Como poderiam acontecer os processos coletivos para formular e implantar políticas públicas que veiculem os ideais mencionados acima?
HIPÓTESES
“We do not belong to the past dawns, but to the noons of the future.”[8]Sri Aurobindo
É comum, atualmente no cenário nacional, um descrédito acerca do papel das políticas públicas no efetivo desenvolvimento de iniciativas inovadoras e construtivas. Este projeto aposta, contudo, na ideia de que políticas públicas podem contribuir para se criarem condições favoráveis ao encaminhamento dos problemas acima descritos, fortalecendo as qualidades dos indivíduos em um constante processo de educação coletiva. A fim de validar tal hipótese, algumas considerações nos parecem relevantes:
1. A definição do que sejam políticas públicas integrais e em que medida e condições são possíveis de serem implantadas.
2. O exemplo de Auroville como experiência de políticas públicas que assumiram um caráter integral e vem se desenvolvendo progressivamente.
3. A reflexão sobre a aplicação de políticas públicas para uma cidadania planetária, inspiradas nos ideais de Beleza, Harmonia, Perfeição e Unidade em cenários específicos do contexto brasileiro.
-----------------
[1]“A verdadeira lei de nosso desenvolvimento e o inteiro objetivo de nossa existência social só pode tornar-se clara para nós quando tivermos descoberto não apenas, como o faz a ciência moderna, o que o homem foi em sua evolução física e vital passada, mas também seu destino futuro, mental e espiritual,e seu lugar nos ciclos da natureza.”(Sri Aurobindo, 1997: 145)
[2]Como reforça Evers: “A essência desses movimentos é, em meu ponto de vista, sua capacidade de gerar sementes de uma nova subjetividade social - nova tanto em conteúdo quanto em autoconsciência. Ao assumir os antigos temas de emancipação e de autodeterminação, esta ‘nova’ subjetividade é ao mesmo tempo a mais avançada e a mais antiga”- “The essence of these movements is, in my view, their capacity to generate germs of a new social subjectivity - new as much in content as in self-consciousness. By taking up the age-old themes of emancipation and self-determination, this 'new' subjectivity is, at the same time, the most advanced and the oldest.”(EVERS, 1983: 67)
[3] “As redes de movimentos sociais na América Latina vêm construindo caminhos para uma política emancipatória na medida em que se apresentam abertas à diversidade das organizações sociais da região, vem colaborando para reescrever a história de ocupação, colonização e dominação em cada país, traduzi-la em simbologias e significados para as populações mais excluídas, discriminadas e dominadas no presente, criando novas subjetividades nos campos das políticas identitárias e de utopias de transformação que foram unificadas no lema “um outro mundo é possível”, bem como, mais objetivamente, transformando estes ideários em políticas de direito.” (WARREN,2007:15)
[4] Pensador e iogue indiano contemporâneo (1872-1950). Cursou seus estudos em Cambridge, aprofundando-se em literatura, línguas e historia. Teve participação no movimento revolucionário pela independência da India. Luta política que o leva a aproximar-se do Yoga, buscando ajudar a erguer sua nação. A partir de 1910, passa a residir em Pondicherry,India, concentrando-se no exercício do Yoga, meditação e literatura. Sua vasta obra, publicada através da revista “Arya”,fundada por ele em 1914 contém seu pensamento intelectual sobre o destino divino terrestre. Cabe destacar na sua produção poética, “SAVITRI”, epopéia transcendental narrada através de uma linguagem mântrica.
[5]“Sri Aurobindo’s theory of spiritual evolution is the nucleus of his tremendous labour in the world of philosophy. All things in the universe … are moving in the cycle of eternity with a purpose and will so supremely directed.”
[6] Foi fundada por mim com o objetivo de promover a Cidadania Integral Planetária, através da criação de centros de convivência e aprendizado em diferentes cenários do Brasil. Para tal, foi desenvolvida uma metodologia composta de uma pedagogia baseada em quatro ecologias (ecologia pessoal, social, planetária e universal) e uma proposta de impactar políticas públicas com relação a sete aspectos do cenário urbano (meio ambiente, paisagismo, urbanismo, saúde, inclusão social, cultura e comunicação). Maiores informações ver www.plantandopaznaterra.org.br
[7] Na direção de uma sociologia das emergências, que expanda o domínio das experiências possíveis como enuncia Santos. (SANTOS,2006)
[8]‘Nós não pertencemos às auroras do passado, mas aos meio dias do futuro”.(SRI AUROBINDO, 1997: 68)