“Más allá del largo esfuerzo inteligente del ser humano hacia una cultura perfeccionada y una sociedad racional se abre el ideal
espiritual, ancestral, religioso,
la esperanza del reino de los cielos en nuestro interior y
la ciudad de Dios sobre la tierra.”
Sri Aurobindo
Faz-se necessário, antes de iniciar um monólogo sobre estas provocações, relatar que há doze anos tenho trilhado uma jornada encima de uma utopia que me foi revelada e que com meu repertório mental e emocional fui traduzindo no meu fazer cotidiano de forma individual e coletiva. Causa-me surpresa se penso nos anos primeiros em que esta utopia me possuiu e me conduziu por caminhos que devo fazer um esforço em precisar como foram ou quais foram. Claramente sei que me ocupei deste sonho dia e noite sem me deixar intimidar pelo estado real das coisas nesta terceira dimensão. O desafio não parecia desafio apenas uma obvia necessidade de algo a ser feito imediatamente.
Ultimamente a necessidade de começar a saber-me com referencia de outros fazedores ou sabedores começou a ganhar presença como uma necessidade de comunicação e uma constante sensação de querência de contribuição e de continuar um pulso com sentido para minha vida. No contato com os textos sugeridos nas aulas do Prof. Marcos Sorrentino, o que era obvio começa a se desvelar para mim com novas roupagens, muitas delas experimentadas por mim mesma, nesta jornada de plantar paz na terra. (www.plantandopaznaterra.org.br)
A reflexão sobre utopia, políticas publicas e dimensão planetária chega então como um presente com cartão para mim, reforçando minha atual gana e necessidade de ordenar alguns episódios do passado e alguns extratos vivos que fizeram desta experiência uma possibilidade de realização da utopia (do tamanho dos meus pés e do que era possível no momento). Certamente deve existir algo de inovador neste caminhar não somente para a protagonista que foi obcecada pelo sonho mas pelos protagonistas in loco que de igual forma imprimiram sua marca na construção de um centro de convivência e aprendizado que denominamos Cidade Internacional da Paz. Seu principal objetivo é EXISTIR. Pois é a manifestação de uma força-ideia, propulsora dessa utopia e núcleo central da mesma: a cidadania integral planetária.Esta utopia foi irradiada para meu sistema mental,emocional e corporal pelas realizações de Sri Aurobindo e a Mãe. Na decodificação desta radiação celebrei dentro de mim uma grande alegria e uma grande razão de estar viva no planeta Terra. As circunstancias seguintes que me rodearam se encaixaram perfeitamente como marco para o inicio de uma vida e, lá estava diante de mim uma terra doente a ser amada e cuidada. E começou a materializar-se minha possibilidade de ação neste marco feito de gente, água, e muito descuido. Logo comecei a perceber que teria que evidenciar minha utopia, comunicar ela, contagiar outros, convencer algumas outras partes do meu ser e convidar a ver o que eu via tão translucidamente. E assim foi que comecei a entender -pese a afirmação de Bauman, que somos obrigados a buscar soluções sistêmicas em nossas vidas biográficas- do que se tratava esta maravilhosa irradiação que se imprimiria na minha existência por sempre.
Organizei minha escrita, primeiramente descrevendo de forma sucinta o sonho da Plantando Paz na Terra para, posteriormente fazer um esforço de pensá-la com as temáticas: utopia e políticas públicas e, ir tecendo sinergias.
A ideia-força que conduz minha utopia é a cidadania integral planetária (CIP). Como conseguir uma expansão da cidadania integral planetária nos dias atuais? Assim configura-se o núcleo central da minha utopia. Este trata do despertar de consciência do ser humano para transformar-se em um citadino que contribui e desfruta da cidade. O citadino seria aquele ser humano que expressa sua condição de poder veicular seu ser integral[1], desperto para os aspectos pessoais, sociais, planetários e universais; no contexto territorial majoritário sobre o corpo do planeta Terra: a cidade.
Assim, a Cidadania Integral Planetária é uma ideia-força que imprime:no nível individual, a necessidade de despertar a consciência em 4 aspectos (pessoal, social, planetário e universal)e no nível coletivo, o despertar da consciência em 7 aspectos do planeta (o meio ambiente, a paisagem, o urbano, a saúde, a cultura, a sociedade, a comunicação).
Cheguei então à necessidade de uma formulação de uma educação integral baseada nas quatro ecologias. Uma pedagogia para crianças, jovens, adultos e velhos que contribua para o despertar dessas ecologias através da compreensão e prática de atitudes–valores que convidam os seres humanos a trilhar o processo de auto-conhecimento, o real convívio com os outros, o respeito pelo planeta e a percepção da nossa inserção na realidade cósmica. São eles: aspiração, sinceridade, receptividade, coragem, progresso, bondade, generosidade, humildade, perseverança, paz, gratidão, igualdade.
Nessa direção a cidade configurar-se–ia como ambiência favorável para a transformação do ser humano individual e social, numa dupla mão. Em sua potencialidade, pelo estado lamentável que as cidades atuais estão e, em sua realidade, pelo avanço que a humanidade pôde e pode alcançar com a existência das cidades. A cidade vislumbrada em minha utopia é diametralmente oposta à cidade que descreve Bauman[2] “lugares em que estamos fadados a vaguear numa grande multidão de estranhos diversos em continua mudança”.
De fato, ênfase na dimensão coletiva e na necessidade de evoluir coletivamente é um dos pontos centrais da proposta. Assim, na dimensão individual,em minha utopia o ser humano tem o papel de auto-desenvolver-se, vivenciando, conhecendo e integrando cada parte de sua personalidade (física, vital, mental) ao redor de um princípio interno mais elevado, desenvolvendo uma harmonia progressiva interna.Na dimensão coletiva,a reunião dos indivíduos forma um grupo com movimento próprio, dotado de singularidade e manifestações peculiares a sua natureza, movimentando-se evolutivamente em direção a uma harmonia maior. Assim, a expansão da consciência individual e coletiva deve caminhar lado a lado, para uma verdadeira transformação da realidade.
Chegamos assim a uma proposta de intervenção ou ação atenta a sete aspectos do espaço urbano. Nesse traçado proponho uma dinâmica para gerar uma transformação sócio-ambiental, em atenção a: identidade, criatividade, relacionamento, conexão, comunicação, visão e inspiração. Ver resumo da proposta no quadro abaixo:
Na digestão do processo visceral de ser possuída pela utopia da CIP, fui legitimamente impelida a organizar uma forma de comunicação com as pessoas que se aproximaram, por diversas razões, da plantando. Assim reuni estes dois convites à transformação (do ser humano e da cidade) sob o nome de programa Plantando Paz na Terra. É então no intuito do exercício de uma cidadania integral planetária, que o programa Plantando Paz na Terra, através da educação dos cidadãos que compõem uma realidade local e da prática de recriar ambientes com sua participação, visa consolidar uma aliança entre sociedade e indivíduo, teoria e prática, conhecimento e realidade, sonho e cotidiano.
O local de experiência do programa Plantando Paz na Terra, composto de características e desafios comuns aos de qualquer espaço contemporâneo do mundo, situa-se em Campinas, na Vila Brandina. Este espaço é privilegiado pelo seu caráter público, configurando-se como uma área verde de preservação permanente do Governo do Estado de São Paulo ainda não reconhecida por lei. Como salienta Cruz sobre o conceito do espaço público “que atores devem construir esse espaço e como formular e implementar políticas públicas que contribuam (...).”[3]. Nessa direção a PLPT tem realizado uma experiência de co-criação,co-responsabilidade e co-gestão desse espaço público.Assim quase que naturalmente, devido ao contexto da experiência in loco, o programa Plantando Paz na Terra buscaria incidir nas políticas públicas porque a natureza dos problemas que quer responder(ou pelo menos não sucumbir apaticamente) só pode ser construída na arena do coletivo. A convergência entre esta utopia e a política situa-se no âmago da existência da mesma.
O espaço urbano e em especial as cidades parecem ter tido papel fundamental no desenvolvimento do ser humano e de sua cultura coletiva. Dentro deste escopo podemos destacar as cidades utópicas, vislumbradas em diferentes épocas e lugares, imprimindo um potencial de evolução na humanidade. O conceito de cidade ideal ou cidades utópicas, já amplamente conhecido na literatura, parece conter em si mesmo algumas características em comum sobre o pensar a cidade: trazem um desenho urbano original que prospecta um programa revolucionário de mudança social, estão enraizadas em um compromisso pessoal dos que a conceberam para materializar a ideia na realidade; enfatizam a forma da cidade como receptáculo de significados. Entre estas, a ideia de transcender a situação imediata parece ser o alicerce das mesmas. “Comenzando como una representación del cosmos, un medio de hacer descender el cielo a la tierra, la ciudad se volvió un símbolo de lo posible. La utopía era una parte integral de su constitución original y precisamente porque al comienzo adoptaba la forma de una proyección ideal, la ciudad daba existencia a realidades que hubieran podido quedar latentes por tiempo indefinido”. [4]
O programa Plantando Paz na Terra tem buscado influenciar as políticas públicas. Lembrando que políticas públicas são “Decisões condicionadas pelo próprio fluxo e pelas reações e modificações que elas provocam no tecido social, bem como pelos valores, ideias e visões dos que adotam ou influem na decisão”[5] . Algumas estratégias como forte representação nos conselhos e pressão sobre agentes governamentais a plantando tem adotado, mas principalmente desenvolvendo umlaboratório vivo em prol da CIP, para que esta seja assumida e replicada pelo poder público. A experiência da Cidade Internacional da Paz certamente se constitui um protótipo como nas palavras de Cruzao referirem-se as práticas das organizações não governamentais “São centros de referencia que possam inspirar e qualificar o trabalho do governo”[6].Ainda, poderíamos situar esta reflexão no contexto da institucionalidade da Associação Plantando Paz na Terra reiterando “o papel da sociedade civil organizada ...pois ela configura o campo de uma grande variedade de atores sociais que traz de forma sistemática para o debate múltiplas demandas, mas também alternativas ...!”[7]
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[1]Chamo aqui de ser integral aquela pessoa que reúne as diferentes partes do seu ser, corpo físico, emocional e mental, ao redor de um centro psíquico mais evoluído que comanda e se expressa através dessas outras partes. Esse centro é despertado nos seres humanos através de uma escolha e prática espiritual, segundo o Yoga Integral de Sri Aurobindo.
(2] BAUMAN, Zygmunt. COMUNIDADE . A busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003 pg.131
[3]ESTRATEGIAS DA SOCIEDADE CIVIL in LANZONI e CRUZ; Democracia e Sociedade Civil.pg 31”
[4]The city in history.
[5]“ Conceito de política pública “in SARAIVA Enrique, Introdução à teoria da política pública. pg28.
[6]“Estratégias da sociedade civil” in LANZONI e CRUZ; Democracia e Sociedade Civil.pg 33
[7] “Estratégias da sociedade civil” in LANZONI e CRUZ; Democracia e Sociedade Civil.pag 31
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