top of page
Buscar
PAOLA CHARRY SIERRA

Holos nos meus olhos: os novos movimentos sociais, o paradigma holístico e o pensamento transdicip


"Muito se tem discutido sobre a situação catastrófica que todo o planeta está vivendo, nos vários níveis da realidade, e, com certeza, a cada momento que passa isto se evidencia com a precisão da tecnologia de ponta do século XXI; por outro lado, ainda engatinhamos na tecnologia do ser humano para reinventar uma outra forma de relacionar-se com a vida na sua irmandade. De qualquer forma, começa-se a engatinhar na direção de formar uma percepção glocal deste nosso habitat planetário.

Segundo Morin[1], esboços de uma consciência planetária foram formados na segunda metade do século XX, a partir de alguns fatores, tais como: a persistência de uma ameaça nuclear global; a formação de uma consciência ecológica planetária desde 1980; a entrada, no cenário mundial, do terceiro mundo, a partir dos processos de descolonização dos anos 50-60; o desenvolvimento da mundialização civilizacional referente às técnicas, objetos utilitários, habilidades, modos de vida baseados no uso e consumo dessas técnicas; o desenvolvimento da mundialização cultural que cobre tudo que é original de uma etnia; a formação de um folclore planetário; a teleparticipação planetária a partir de 1950 e a visão da terra em 1969, quando a terra foi vista da Lua.

Assim, ao antigo substrato bio-antropológico que constitui a unidade da espécie humana, acrescenta-se agora um tecido comunicacional, cultural, econômico, tecnológico, intelectual, ideológico. A espécie humana doravante nos aparece como humanidade.[2]

São estes esboços de uma consciência planetária que abrem uma nova percepção da humanidade e a pergunta, o reconhecimento e o despertar para sua própria casa acontecem em diferentes níveis da realidade. Os limites, os cuidados necessários que demanda, a retrospectiva histórica deste relacionamento, a urgência de uma nova forma de relacionar-se, as conseqüências no entendimento das ciências, a influência do sistêmico em todos os aspectos entre casa e habitante são alguns dos novos impulsos que (com esperança) formam esta consciência.

É assim que Morin conclui que, no final do milênio, chega-se à possibilidade de várias tomadas de consciência complementares: unidade da terra como consciência telúrica; unidade/diversidade da biosfera como consciência ecológica; unidade/diversidade do homem como consciência antropológica; nosso estatuto antropo-bio-físico; nosso fato de estar aí sem saber porque; tomada de consciência da era planetária; da ameaça damocleana; da perdição no horizonte de nossas vidas, de toda a vida, de todo o planeta e a tomada de consciência de nosso destino terrestre.

É neste contexto que, no nível social, novos movimentos configuram-se e inserem-se na busca do que alguns autores, como BOFF[3], chamam de cidadania planetária, expressando um conjunto de princípios, valores, atitudes e comportamentos que demonstram essa nova percepção da terra como uma única comunidade. "Estamos superando os limites dos Estados-nações e rumando para a constituição de uma sociedade mundial que mais e mais demanda em direção central para as questões concernentes a todos os humanos. Examinemos, então, a nível de organização da sociedade civil, como se caracterizam estes assim chamados Novos Movimentos Sociais (NMS).

Os chamados Novos Movimentos Sociais foram desenvolvidos a partir da metade da década de 60, mas os problemas e contradições que questionam remetem-se ao início da era fordista do capitalismo, até o surgimento do movimento ecológico. São movimentos próprios de sociedades industriais avançadas, tais como o movimento anti-autoritário estudantil, o novo movimento feminista, o movimento alternativo urbano, o movimento anti-nuclear, o movimento ecológico e o novo movimento pacifista. O que há de comum entre estes movimentos e o que os diferencia dos outros fenômenos sociais é uma orientação emancipatória, um caráter anti-estatal e pró sociedade civil, anti-modernistas na crítica à sociedade produtivista e patriarcal, dotados de uma composição social heterogênea, com objetivos e estratégias de ação diferenciados no pensar global e na ação local, uma estrutura organizacional e anti-hierárquica na forma de redes, a politização da vida cotidiana e do âmbito privado na experimentação de formas alternativas e métodos de ação coletiva não convencionais.

Segundo Buey[4], dois níveis são básicos para entender os NMS. Primeiramente, trata-se de movimentos pela sobrevivência (manutenção das bases naturais da vida no planeta) e, em segundo lugar, pela emancipação (na relação entre os seres humanos), que desencadeiam a formação de uma incipiente consciência de espécie, diante da descoberta dos limites ecológicos, sociais e culturais no modelo civilizatório ocidental, abrangendo conteúdos particulares e gerais ao mesmo tempo. Apesar da continuidade na inspiração em valores gerados pela Revolução Francesa, os NMS abordam a emancipação na esfera sócio-cultural, a luta contra a dominação patriarcal e o combate às ameaças globais (paz/guerra, crise ecológica).

Entre os NMS, o movimento ecológico destaca-se em originalidade pela urgência e magnitude da crise ambiental, assim como pelo seu caráter universal, pois nenhuma camada social é em si mesma a única portadora da questão ecológica. Para compreender a dimensão deste movimento, é preciso relembrar suas raízes históricas, porque a moderna temática de proteção à natureza que propõe uma ação humana prudente, fundamentada nos resultados científicos descobertos pela ecologia, é posterior. O movimento ecológico relaciona-se com movimentos sociais anteriores, como o incipiente ambientalismo do movimento operário do século XIX, o sentimento romântico da natureza, frequentemente ruralizante e anti-industrial, repleto da aristocrática nostalgia de um mundo virgem das altas classes europeias e norte-americanas da segunda metade do século XIX, o naturismo burguês expresso nas lutas pela criação de parques nacionais e as cidades jardins nos primeiros anos do século XX.

Mas é só a partir dos anos sessenta que realmente se forma o movimento ecológico (Novo Movimento Social), que responde a uma situação sócio-ecológica radicalmente nova. Entre 1930 e 1950, dá-se nas sociedades industriais avançadas uma transformação que multiplica o impacto humano sobre a biosfera, numa escala historicamente desconhecida: a maturidade industrial das tecnologias da segunda revolução tecnológica e do começo da fase fordista do capitalismo. Gerada pela expansão dos sistemas sócio-econômicos humanos quase até os limites absolutos da biosfera, caracterizada pela globalidade e a crescente irreversibilidade dos danos causados pela modificação dos grandes equilíbrios biogeoquímicos do planeta, e a extensão de macrocontaminações já não circunscritas a ecossistemas ou regiões determinadas. Assim, a primeira grande ruptura moderna no metabolismo da humanidade com a natureza ocorreu na primeira revolução tecnológica (1750-1800), e, a segunda, entrando na era da crise ecológica global, a partir da segunda Revolução Industrial (1930-1950).

A partir da década de 60, os grupos ecológicos nascidos nos Estados Unidos espalharam-se pelo mundo todo, primeiro nos Países Baixos e na Alemanha; depois, na maioria dos estados industrializados da Europa Central e Ocidental; na década de 70, pela India, Kênia e Brasil, e, em 80, nas nacionalidades da antiga URSS e países do leste europeu. Neste percurso, a necessidade de incorporar aos movimentos ecológicos preocupações econômicas e sociais diretamente relacionadas com as questões ambientalistas, fez surgirem novos enfoques.

Assim, a partir de uma preocupação ética de responsabilidade manifestada no movimento ecológico, a ecologia passou de uma etapa inicial de movimento verde ou de proteção às espécies em extinção, para uma segunda etapa, que evidenciava uma crítica real ao tipo de civilização moderna. Geraram-se movimentos como o ecopacifismo e o movimento ecológico sócio-político, assim como vários diagnósticos e terapias frente a esta crítica: a ecotecnologia, a ecopolítica, a ecologia social, a ecologia mental, a ética ecológica, a ecologia profunda.

Se, por um lado, o movimento ecológico surgiu no nível da ação da sociedade civil como resposta às demandas do caótico momento, de outro lado, no nível epistemológico, reformas também aconteceram, com o questionamento da visão de mundo calcada na ciência materialista que gerou a situação alarmante deste final de século. Examinenos, a seguir, os conceitos de holismo e transdiciplinaridade que tocam pontos determinantes para uma nova apreensão da realidade e, como consequência, uma nova forma de relacionar-se com ela.

É na década de 60, também, que o surgimento e desencadeamento do paradigma holístico[5] no contexto mundial, em contraposição ao grande caos que a humanidade atravessava, começou a gerar a consciência, em alguns grupos, de que a sociedade deveria pautar-se em novos valores, que exercitassem um olhar integrado entre todas as pequenas partes que formam a rede de vida pessoal, social, planetária e cósmica; no entendimento da existência de um continuum entre os diferentes planos da realidade.

O conceito de Holismo (re) elaborado em 1926 é incluído centralmente nos debates científicos na década de 60, conjuntamente com o conceito de Paradigma desenvolvido em 1962, redimensionando o núcleo das questões do conhecimento. A percepção de crise científica aberta nos anos 60 exigia uma nova reflexão sobre conceito de Paradigma, pois este permitia pensar sobre a Revolução Científica e a racionalidade moderna, e com o conceito de Holismo, que era capaz de conciliar as descobertas da ciência com a sabedoria das tradições milenares, ultrapassando o impasse da racionalidade.

Sua repercussão na concepção do universo evidenciava uma nova forma de considerar cada parte deste todo holograficamente. A ecologia a partir de um enfoque holístico passa a ser uma prática e um pensamento que incluem e relacionam todos os seres entre si e com o respectivo meio ambiente numa perspectiva do infinitamente pequeno das energias e partículas elementares, do infinitamente grande dos espaços cósmicos, do infinitamente complexo da vida, do infinitamente profundo do coração humano e do infinitamente misterioso, anterior ao big bang, oceano ilimitado de Energia do qual tudo promana[6].

Em sincronia com esta visão na década de 70, a história da transdiciplinaridade começa a surgir com trabalhos de Eric Jantsch, Jean Piaget e Edgar Morin. Random[7] afirma que A transdiciplinaridade inscreve-se no vasto mundo holístico dos tempos modernos, que tende a substituir as estruturas cientificistas ainda dominantes em nossas sociedades. No seio desse movimento, ela pode tornar-se a ponta de lança. A dificuldade de traduzir para o grande público as implicações humanas, sociais e políticas da revolução quântica mostra que, sem uma metodologia, sem uma nova linguagem que permita a compreensão do sentido holístico de nosso universo, a situação continuará a ser elitista.

O pensamento transdiciplinar expressa-se, antes de tudo, como uma tomada de consciência sobre o saber e o conhecimento associados ao ser humano. Um reconhecimento de que o conhecimento encontra-se ligado e ao mesmo tempo redefinido pelos vários níveis da realidade, ganhando, assim, novamente respeito esta realidade complexa. O pensamento transdiciplinar é precisamente uma primeira abertura, uma ação concreta sobre a nossa realidade, para nela inserir a visão de um real global e não mais causal, revelado pela nova física quântica, um real holístico no qual todos os aspectos da realidade podem ser considerados e respeitados, sejam eles científicos, materiais, afetivos ou espirituais. [8]

Nicolescu[9], grande articulador deste pensamento, coloca que o objetivo da transdiciplinaridade é a compreensão do mundo presente e um dos imperativos para isso é a unidade do conhecimento. Nesta direção, a transdiciplinaridade seria um meio para enfrentar a crise da atualidade, meio que consiste em agir sobre o próprio saber, pois a tomada de consciência da unidade e da inseparabilidade serve para resistir às incontáveis formas e forças de agressão atuais. Uma visão que se abre para um nível de realidade diferente a do equilíbrio necessário entre a interioridade e a exterioridade do ser humano.[10]

Com o Colóquio de Veneza, em 1986, e a fundação do CIRET (Centre International de Recherches et dEtudes Transdiciplinaires), uma nova etapa sobre a transdiciplinaridade começou, publicando-se muitos livros, artigos e revistas que colocavam em evidência a necessidade da abordagem transdiciplinar. Assim, o pensamento transdiciplinar é uma inteligência do real, ao mesmo tempo contra e a favor. Contra todos os fatores aparentes ou ocultos que conduzem o planeta, se nada for feito, a uma destruição certa e num tempo relativamente curto. A favor, expressando, por todos os meios, os valores de vida e de sobrevivência implicados na visão de uma ordem viva e cósmica global e o papel determinante da consciência na Realidade [11].

É possível, então, intuir a repercussão do pensamento transdiciplinar no âmbito sócio-ambiental, uma vez que, como é afirmado no Manifesto, o reconhecimento da terra como pátria matricial é um dos imperativos da transdiciplinariedade[12] ou, ainda, como enfatiza Random, o pensamento transdiciplinar restitui o sujeito ao objeto, o homem à natureza[13] .

Paola Charry Sierra-2000

--------------------------------------------------------------------------------

[1] MORIN, Edgar. Terra Pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995.

[2] Idem; p.42

[3] BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra e grito dos pobres. São Paulo: Ática, 1994.

[4] BUEY, Francisco Fernández. Redes que dan Libertad. Ed.Paidós, Barcelona, 1995.

[5] WEIL, Pierre. O novo paradigma holistico in O novo paradigma holistico.S.P. Summus, 1991

[6] BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra e grito dos pobres. São Paulo:Ática, 1996. p 72

[7] RAMDOM, Michel. O pensamento transdiciplinar e o real. São Paulo: TRIOM, 2000. p 56

[8] idem, p 19

[9] idem, p 71

[10] idem, p 59

[11] idem, p 56

12] NICOLESCU. Basarab.O manifesto da transdiciplinariedade. São Paulo: Triom, 1999. p 144

[13] RAMDOM, op.cit, 2000. p 20


0 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page